Confessionário 1

Segundo Jean Chevalier em seu Dicionário de los Simbolos, os cabelos simbolizam as propriedades de cada ser como espiritualidade e virtudes, e cortá-los representa uma penitência, principalmente para a figura feminina, simbolizando inclusive o luto em algumas culturas. 
Em 2014, durante o Perpendicular Bienal, na Bienal São Paulo, retirei os cabelos numa espécie de rompimento com a identidade que vinha construindo até então enquanto artista visual, para uma fase de pausa, de introspecção, de respiro, de busca por autocura e entendimento das energias que me levavam para uma investigação acerca da violência e do uso do vermelho enquanto signo.
Percebendo a agressividade nos olhares e falas corriqueiras diante do diferente, algo que ocorria de forma mais sutil quando o cabelo era bem vermelho, passei a entender melhor minha necessidade de expurgo da truculência cotidiana, mas sem autovitimização; apenas como forma de expressar poeticamente o que no dia a dia era inviável pelas relações existentes.
Durante nove meses vivi careca e fui abordada quanto a possibilidade de estar doente, questionada quanto a opção sexual, indagada quanto a opção religiosa e até se me relacionava com bandido; e com exceção dos amigos mais íntimos e meia dúzia de conhecidos, ninguém pensava na hipótese da escolha (o que achei bizarro).
O nove representa a humanidade na simbologia sagrada, é o número raiz do presente estado de evolução humana, o número da iniciação: assinala o fim de uma fase de desenvolvimento espiritual e o início de outra fase superior. As 9 esferas celestes e os 9 espíritos elevados que as governam. O ilimitado. Os 9 orifícios do corpo humano. Os 9 meses da gravidez. O número dos ciclos humanos temporais na Terra (fonte:numerologo.com).
No fechamento deste ciclo em julho/2015, entro em um processo que defino como 'Ser ao Natural', que na verdade faz parte de uma investigação que surgiu ainda na vivência careca, quando experimentava a sacralização do simples em performance. E quão violenta é a imposição social e midiática de nos distanciarmos do simples e nos jogarmos no luxo, na ilusão do ter ao invés do ser.
Não que intente impor uma verdade, mas talvez colocá-la em pauta como possível libertação dos padrões massacrantes vigentes.
Quando menciono algo tão pessoal como justificativa processual, não creio estar falando de mim propriamente, mas de tantas mulheres que, como eu, sofrem com imposições infindas de como se portar, como agir, como se vestir, como se relacionar, como ser e o que ter.
Quanto ao ter, no momento pelos.
Quanto ao ser, no momento sê-lo.
G.O.

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